fuga

fuga iniciou em 2020 como um projeto independente de coleções de filmes. quatro programas de filmes de estimação foram reunidos transversalmente e exibidos em streaming, cada um por vez. imagens de capa foram cedidas, respectivamente, pelos artistas João Marcos de Almeida, Dolores Orange, Clara Simas e Shima.

o registro completo das curadorias está exposto nesta página.

8/6 — 14/6/20
— HISTÓRIAS DE ENFERMAGEM

O filme como técnica de enfermagem. Tal qual para o enfermeiro, trata-se de cultivar a ferida no tempo. De expor a chaga, avalizar sua permanência, aguardar a latência. Descobre-se, assim, que o cinema presta seus cuidados por meio da violação, que persiste – como o médico que celebra a intervenção –, e logo é expressão de um tempo da enfermaria. Percebe-se que, se a enfermagem é uma arte, seu estilo ama a ferida: para que possa paliar, liberar o efeito colateral, nutrir o legado do flagelo.

Em Na sua companhia, o mal do espírito: um corpo que precisa do outro. Na cruzada do ponto de vista amoroso, entre olhar e foda, sujeito e objeto se confundem no espelho. Mas um corpo precisa mesmo de um outro, e a aventura extrema do caminho é a aliança com o lado de fora, onde o transeunte observa os laços que cintilam na história das amizades, dignificada por monumentos: a multidão e a festa, o beijo e o teatro. E a dor também (samba). Neste ensaio sobre a comunhão, dirigido por Marcelo Caetano, todo dia se canta e se chora.

Em História da enfermagem, o reverso: o registro histórico bruto tomado como inscrição de um conto anônimo. Mike Hoolboom oferece ao arquivo a ficção, uma escrita com que imprime uma vida paralela do desejo, suspensa à História, diante da mão e do olhar que tocam e olham, obscenamente. O filme se escreve no interior das farsas do documento, dos sentidos de um enquadramento, à beira de uma confidência privativa das imagens – que, como arte da ética, encara os limites do museu dos fatos.

Em Thinya, um sacrilégio similar rouba as imagens e as palavras de outrem e faz uma devolução dissimulada do relato. O oceano da descoberta é corrompido mais uma vez, agora pela artista Lia Letícia e suas companheiras, e ao contrário: as imagens íntimas de uma gente esquisita, assombrosamente pálida, são material para o plágio de uma falsa etnografia, cuja verdade põe séculos de ficção social no leito. O cinema, medicinal e mediúnico, tem beleza clandestina e voz fulni-ô.

Três canções sobre libertação faz, por sua vez, a convocação frontal. O pacto que precisamos assumir é vidente: as palavras no passado, os corpos do presente – os corpos no passado, as palavras do presente. O tempo não vai pra frente, e este recital, à espreita da liberdade, vocaliza – com a certeza de encarar muito bem uma câmera – que estamos confinados na borda de uma porta aberta. O cinema de Cauleen Smith despeja palavras no território emudecido, e anuncia os portais.

A jornada da pessoa, mais demorada em Naomi Campbel: Camila José Donoso e Nicolás Videla filmam a via-sacra com os pés no chão, de onde o cinema torce por uma felicidade. Um corpo que se torna outro reside no entanto já no vórtice, à distância de uma clínica médica: deste lado, a narrativa da espera. Daquele, visões do instante em que, já muito além deste mundo miúdo, a bioquímica prevê um idioma da magia. Estamos ao largo, numa rua à noite, onde Yermén captura cães e pilantras com uma câmera vagabunda, sob bênção mapuche.
Na sua companhia

Marcelo Caetano, Brasil, 2012, 22'

A noite e a solidão estão cheias do diabo. Aí vem você e a agridoce vida.
Nursing History
(História da enfermagem)


Mike Hoolboom, Canadá, 2018, 4'

Em um hospital da Cruz Vermelha no Vietnã, a jovem enfermeira branca cuida dos ferimentos dele. Extraído dos arquivos da Cruz Vermelha em Genebra.
Thinya

Lia Letícia, Brasil, 2019, 16'

Minha primeira viagem ao Velho Mundo. Minha fantasia aventureira pós-colonial. [Um discurso muda uma imagem?]
Three Songs About Liberation
(Três canções sobre libertação)


Cauleen Smith, EUA, 2017, 10'

Três monólogos adaptados do livro "Mulheres negras na América branca", editado por Gerda Lerner, que mudou tudo.
Naomi Campbel

Camila José Donoso, Nicolás Videla, Chile, 2013, 83'

Yermén decide se inscrever para um reality show de cirurgia plástica.
obrigado: realizadoras e realizadores, produtoras e produtores por disponibilizarem seus filmes, forumdoc.bh (por ceder as legendas em português de Naomi Campbel), Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul (por ceder a cópia traduzida de Três canções sobre libertação), Hatari Filmes, Júlio Cruz, Carla Italiano, Cine Humberto Mauro, Victor Guimarães, Ana Carolina Antunes, Janela Internacional de Cinema do Recife, Paulo Faltay, Thomas Abeltshauser e João Marcos de Almeida.

contato: luisfernandomoura@gmail.com
3/8 — 9/8/20
— SEGUIR ADIANTE SEM PERDAS,
PARTE 1 — UM TERROR...TURISTA!

Uma coleção de filmes que, diante da aventura, reintroduzem fundamentos de fim, princípio e meio. Há as palavras-chave que a prosa do caminho espera: história, passado, futuro. E, com elas e a despeito delas, visões que percebem, no trânsito, dilema maravilhoso: percorrer na duração é transcorrer na enciclopédia bagunçada; coletar vestígios para espalhar suspeitas; deslocar-se em meio ao campo minado das distinções para refazer, como atração e amostragem, trajetos da presença – perigosa, esperançosa, entusiasmada com seu próprio jogo de convicções, gozando o corpo que segue adiante.

Nesta primeira parte, o escape. Clarissa Thieme encontra uma carta filmada desde tempos de guerra. Este pedido de socorro já falseava, no entanto, seu próprio correio – ao menos como estratégia de salvação. No lugar dela, a correspondência vinha adquirir a função artesanal de produzir um destinatário impossível, fascinada por sua própria oportunidade de se projetar no extraordinário, de se divertir com as distrações de seu material. Hoje é 11 de junho de 1993 tanto exibe os registros em seu estado agudo quanto atenta para a recuperação de texto em palavra, num exercício de tradução que ora indexa, ora prolifera sentidos de emergência.

Em Isto é um sequestro, escapar é uma coreografia. A diretora Shambhavi Kaul filma o cruzeiro, fazendo coincidir as máquinas do cinema e da aeronave. Ambas, dispersadas em suas fantasias próprias, estão à beira de seus limites: ora é o gênero "filme de avião" desconcertado pela imaginação da beira; os protocolos de serviço viram verso, o devaneio das horas, símbolo, a ousadia do alto, rito. Ou então é o alarde de uma pilotagem diante dos perigos da física ou do crime – o que, aqui, é clandestino? Ainda antes que venha a vertigem, há o risco de se engasgar.

Em Karioka, o conto do forasteiro. Takumã Kuikuro viaja 48 horas até o cartão postal de esquisita nacionalidade, cruzando os receios que rondam esse oásis mentiroso, como bem contou a televisão. Apesar do mito urbano e graças à desforra irônica do cotidiano, esta jornada em primeira pessoa do plural, cujo método é o passeio, terá como objeto um álbum de viagens feliz, entre o mar, as pernas pro ar e a coleta ampla de souvenires; um cinema de exploração e comentário, retomado pelo viajante como contra-inventário de achados cósmicos, que expõe como um etnógrafo de outros tempos.

E então, nascido como contra-inventário, Seguir adiante sem perdas, que empresta nome a esta coleção. O espírito está perdido, e o mundo já filmado, ao menos no país onde o universo se originou. Para guiar esta vagabundagem em busca de bonança, Michael Robinson desvenda uma história de amor (assim, terá algo por que torcer ou lacrimejar). Para encorajá-lo, um outro planeta. Para lhe lembrar que isto é grave, um sermão de quem tudo sabe do homem. A solidez, a concretude, só a um de nós: ao eu, o persistente eu, diluído em pixel, escapando pelas arestas do dirigível – sempre em frente.

A chegada, de volta, daquele que se criou em outras colônias. André Antônio faz, da fábula do retorno, o delírio do estrangeiro. No salão do sobrado, a nobre cápsula onde se cultiva a juventude do andarilho – que continuará sobre os lençóis ou entre os livros e os gibis. Do lado de fora, a imensidão mnemônica das ruínas – a história em falso, em divagação, ao largo dos muros que um dia alguém haveria de ter erguido. Em A Seita, como num pesadelo, o sujeito estará sonhando acordado e, se permanece à esquiva do futuro, circula à espreita de uma alternativa superior, talvez subterrânea, para o curso do sono infinito.
Today is 11th June 1993
(Hoje é 11 de junho de 1993)


Clarissa Thieme, Alemanha/Bósnia e Herzegovina, 2018, 13'

em colaboração com a Biblioteca Hamdija Kreševljaković Video Arhiv, Saraievo

"Hoje é 11 de junho de 1993. A guerra segue há muito tempo. Tentei de tudo pra sair daqui, pra me salvar, nada adiantou. Só me restou gravar esta fita de vídeo".
Hijacked
(Isto é um sequestro)


Shambhavi Kaul, EUA/Índia, 2017, 15'

O espaço do avião é habitado por personagens para quem "escapar", uma das promessas da tecnologia do avião, mostra-se elusiva.
Karioka

Takumã Kuikuro, Brasil, 2015, 19'

Takumã Kuikuro sai de sua aldeia localizada no Alto-Xingu, Mato Grosso, com sua mulher e filhos para morar no Rio de Janeiro por um período. Enquanto eles vivem essa experiência, a família na aldeia se preocupa.
Onward Lossless Follows
(Seguir adiante sem perdas)


Michael Robinson, EUA, 2017, 17'

Um caso de amor protegido por senha, um pouco de vapor em Vênus e um cavalo sem nome saem em busca de um amanhã melhor.
A Seita

André Antônio, Brasil, 2015, 70'

2040 foi um ano importante pra mim por duas razões. A primeira é que foi o ano em que eu decidi deixar as Colônias Espaciais e voltar a morar no Recife. A segunda é que foi em 2040 que eu descobri a existência da Seita.
obrigado: realizadoras e realizadores, produtoras e produtores por disponibilizarem seus filmes, Pedro Neves, Dolores Orange, FestCurtasBH - Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (por ceder as legendas de Seguir adiante sem perdas), Ana Siqueira, Matheus Pereira, Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (por produzir uma versão primeira da tradução para Hoje é 11 de junho de 1993), Janela Internacional de Cinema do Recife, Emilie Lesclaux, Dora Amorim, Daniel Bandeira, Luiz Otávio Pereira, Rodrigo Medeiros, Paulo Faltay, André Brasil, Maria Ines Dieuzeide, Rodrigo Almeida e Aaron Cutler (por uma vez me ter apresentado os trabalhos de Clarissa Thieme e Shambhavi Kaul, e por partilhar ideias).

contato: luisfernandomoura@gmail.com
28/9 — 11/10/20
— SEGUIR ADIANTE SEM PERDAS,
PARTE 2 — A VIDA DO FÓSFORO

Segunda parte da coleção Seguir Adiante Sem Perdas, as coisas se movem pela cultura secular ao encontro das bordas: até um muro, para o limite ou a superfície da tela, de uma palavra a outra, no vão entre idiomas distintos, na turbidez entre duas claridades, na discordância entre função e forma. O andarilho, antes carente de ver no espelho o guerreiro ou o diplomata, lança-se sobre os reflexos com corpo chamuscado. O signo da vontade devora o arquivo e extenua a literatura, atravessando o paraíso do projeto para vasculhar um umbral de retornos, onde a chama que origina, mobiliza e mostra ora lampeja, ora queima, ora incendeia.

Em alguns dos filmes, os fins dos materiais são francamente dissimulados, para que se descubra uma nova beleza imanente, filmada, e uma outra mobilização para a multidão. Ao fazer nova montagem de cinepropaganda peronista para público infantojuvenil, O dia que pôde ser, de Lorena Moriconi e Santiago Loza, e Melancolia, de Albertina Carri, rearrumam gestos inscritos tendo a ficção do destino como método e como tema. Os filmes integram o projeto Archivos Intervenidos: Cine Escuela, organizado pelo Museo del Cine Pablo Ducrós Hicken num princípio museológico que desbrava, na forja, a crítica.

Em outros casos, é franco o confronto entre corpo e proliferação de léxicos, e a mediação adquire a envergadura de um rito. Em A Hárpia e Barítono amador: a estreia dele, The Alabama Song, Sylvia Toy se dirige para a câmera em reencarnações, oblíquas e eloquentes, de mitologias diversas, do misticismo Grego à conversa moderna de Brecht, ou ainda a popular, no cancioneiro nacional. É amostragem da abundante produção da artista, cuja alcunha Sylviatoyindustries oferece fábrica de videodelírios e, num chroma key doméstico, o suporte de uma desorganização de ícones distribuída em investidas autobiográficas.

Em cooperação com a artista La Conga Rosa, Sosha e sua playlist conduzem cinema em que o direto se mantém, agora como aposta cênica, tomando como imediações a andança no território e, com a música, a devolução da concretude à visionagem. Filme e botas vermelhas seguem para desvendar portal em meio ao indício modernista e à anunciação nostálgica do matagal, instalando uma paisagem pública da dança como consequência de um road movie que arruína e restitui o que atravessa. GIF é um indício de que a filmografia de Sosha faz algo entre enciclopédia, duração e aparição a ser mais notadamente registrado pelas vogas da crítica.

E então o jogo com o termo, ainda direto, em Diga "queer" con la lengua afuera, para um estudo esquivo do referente, uma iluminação fugitiva da leitura. No filme do artista e pesquisador Felipe Rivas San Martín, a língua indicia uma recomposição semântica – crítica, sociológica – das práticas ao passo que a interrompe por meio do ato e de sua ostentação obscena, que desorienta objeto e abjeto. A palavra, quase palavra, é desvirtuada pela língua que baba, pela demonstração verbal da secreção. Com um músculo, o corpo devolve nova depravação ao conceito, a suspeita de uma dissidência a mais para o projeto.

E, assim, na demora das mediações, entre o que reconduzem, o que espalham, o que distinguem e o que interditam, alguns dos filmes se fazem numa exploração mais delongada das filmotecas do movimento. Pierre León, com seu Restos, reexamina e reexibe o corpo mesmo do Cinema, numa coleta compulsiva de gestos, obsediado pelos fazeres de Fritz Lang e suas mãos. Um exército de ferramentas, armas, canetas, isqueiros, maçanetas, vetores da ação romanesca, verbos de ligação na grande narrativa, é excomungado pelo terror da coisa, que arrisca o presente com nova duração, insaciável, de resquícios, para iniciativas vindouras e possíveis levantes.

Afinal, em A vida do fósforo não é bolinho, gatinho e Todos mentem, duas ficções se realizam da superfície da cinefilia à profundeza da tomada, da conversação em torno do cânone ao extrativismo encantado de ídolos, dos lazeres da arte aos prazeres da cena, enquanto riscam seus palitos de fósforo. O filme de Sergio Silva, em curta-metragem, desenvolve um enredo gostoso entre a afeição de arquétipos, a transcendência de narrações e a desilusão da história, que tem nas traduções filmáveis o fundamento de uma conglomeração de fantasias: perspectivas de nação e geração, sob boas e más maneiras, são devolvidas à magia como talento da cultura.

Enquanto no filme de Matías Piñeiro, em longa-metragem, a revisão da história do poder, local ou universal, é o ambiente para um acomunamento de continuidades entre aparências, posições e modos de fazer presença: o filme cita documentos para armar desmandos, assume verdades para proliferar segredos, planeja uma miríade de frivolidades, matéria prima das melhores relações, para delinear uma sociologia da colônia em que se indistinguem as forjas do pertencimento e as delícias e assombros de campo e extracampo. Num filme e no outro, os objetos passam de mão em mão, de boca em boca, de quadro em quadro, de fogo em fogo, como insígnias, aportes do desejo e lembranças da iminência.
El día que pudo ser
(O dia que pôde ser)


Lorena Moriconi, Santiago Loza, Argentina, 2016, 5'

Filme parte do projeto coletivo "Archivos Intervenidos: Cine Escuela", realizado com material do primeiro mandato de Juan Domingo Perón, acervo do Museo de Cine Pablo Ducrós Hicken.
The Harpy
(A Hárpia)


Sylvia Toy, EUA, 2016, 10'

Uma deusa acorda depois de 10 mil anos em coma. Episódio de série de experiências da artista com a mesma personagem.
A vida do fósforo não é bolinho, gatinho

Sergio Silva, Brasil, 2014, 29'

Marcos hospeda Robert em sua casa – e cai de amores por ele. Quando Michael Jackson morre, Marcos adoece e Lígia, sua irmã, vai ajudá-lo.
Remains
(Restos)


Pierre León, França, 2014, 20'

Algo nos leva ao subterrâneo, onde deuses e monstros estão em meio às ruínas de um mundo que movem com suas inúmeras mãos. Um sonho inspirado por Fritz Lang e Richard Wagner.
Melancolía
(Melancolia)


Albertina Carri, Argentina, 2016, 4'

Filme parte do projeto coletivo "Archivos Intervenidos: Cine Escuela", realizado com material do primeiro mandato de Juan Domingo Perón, acervo do Museo de Cine Pablo Ducrós Hicken.
Diga "queer" con la lengua afuera

Felipe Rivas San Martín, Chile, 2010, 3'

O projeto homônimo inclui este filme, um ensaio teórico e a série de pinturas Queer Codes. Aqui, a ação exibe o órgão obsceno e provoca uma "impronunciabilidade radical".
Todos mienten
(Todos mentem)


Matías Piñeiro, Argentina, 2009, 75'

Um grupo de jovens se isola em uma casa no campo. Um deles escreve um romance enquanto outros planejam um roubo; alguns se apaixonam, ou parecem, ou acreditam (ou dizem) estar apaixonados. Mas esses dois, três, dez enredos se desdobram do que os personagens escondem ou simplesmente não sabem. Seus passados e o da casa se conectam ao de inimigos da história nacional.
Amateur Baritone: His Debut, The Alabama Song
(Barítono amador: a estreia dele, The Alabama Song)


Sylvia Toy, EUA, 2016, 5'

Um cover da ópera alemã escrita em 1929 por Kurt Weill e Bertolt Brecht e que ganhou versão – sem a palavra "dólar" – pelo The Doors em 1967.
GIF

Sosha, Brasil, 2015, 10'

La Conga Rosa encontra vibes além do horizonte.
obrigado: realizadoras e realizadores, produtoras e produtores por disponibilizarem seus filmes, Clara Simas, Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba (por ceder as legendas de Todos mentem), Eugenia Castello, Francisco Lezama, João Marcos de Almeida, André Brasil, Maria Ines Dieuzeide, Paulo Faltay e Almir Rodrigues.

contato: luisfernandomoura@gmail.com
21/12/20 — 3/1/21
— CONTOS DE NATAL

Estivemos juntas aquela noite. Pôs-se a mesa, e por ali uma luz forte chegava. Pode ser que seja luz demais, e assim teimamos em buscar uma toalha para lhe cobrir a face. Para o escuro as preces pudemos rugir, já que ninguém olhava — apesar do fusco, frestas apareciam para a sombra, deixando que o feixe visse o gosto pela silhueta e a ânsia pela feição do cinza. Um de nós dançava ao que o outro cantava e que outro se assustava, e assim houve o abraço. Que confusão. Meu amor, fomos amaldiçoados pela visão. Fomos abençoados.

Do lado de fora deste edifício sabe-se que é vasto mapa insistido. Dentro se acha a cerimônia da participação no estopim. O cinema não está gentil, o filme foi em curso por gostar da tramoia. Aqui estão, e sempre em alternativa a tudo o mais, cinco filmes brasileiros que arriscaram descobrir, com as formas de uma vontade de filme, o que é filmar o liame; cinco provas de comunhão — pão é veneno e vinho é açúcar; cinco exageros; cinco festejos da aliança solidária do cinema, a má arte dos queridos gestos; verdadeiramente, cinco contos de natal.

Being Boring: É hora da embriaguez. A fotógrafa cinematografa com o corpo. O cinema celebra o triângulo amoroso, só corrompido pela replicação de cena da dança, na qual já dançávamos nós, em nova cosmogonia da festa. Entre play, pause e repeat, o cenário é exposto ao relâmpago de citações e expansões, e de novo devolvido à instalação, da erótica à biblioteca das tramas, ao que o rapaz flerta com você e o Pet Shop Boys promete: tínhamos tempo demais, nós mesmos, para descobrir.

Los Leones: Metido no meio de uma multidão de bichos, o casal de humanos pratica as pequenas humanidades do amor: da cama ao café, a atração por transmissões e por eletrônica em geral, um pouco de droga, a falação entre amizades ou o quintal, onde brotam fabulosas sementes. Na ilha de Tres Bocas, uma vez perto de Mariana e Raúl, a câmera de André Lage fomenta o gracejo de um dia que se segue a outro, e assim o cinema vez ou outra parece ser mesmo capaz de conhecer o conto de fadas.

Buraco negro: Casas mal assombradas costumam ser veículo de comunicação com espíritos, e ao entrar nesta aqui o filme assume que é, ele mesmo, fantasma ávido por conviver com outros. Não se engane, portanto: do pavor à doçura, estamos em aliança na hora do beijo ou no instante do envenenamento. Quem filma a comunhão como o coletivo osso osso? Crer no elo do maldito com o gracioso, do bilhete com o silêncio, do corte com o mundo que segue sem pudor por estar na nossa frente.

Esse amor que nos consome: Ao filmar com os artistas Gatto Larsen e Rubens Barbot, e com suas amigas e amigos, Allan Ribeiro conquistou ao lado deles uma pequena gramática do laço. Ela preconiza cativar um teto, convocar deuses, lembrar que se habita esta cidade e levar os corpos para uma conspiração gentil do lado de fora. Assim como nos busca ensinar o relato histórico, também o cinema pode, na eventualidade de uma boa devoção, seguir como projeto. Mas com um filme se pode dançar em meio ao público.

Rumo: Num dos primeiros filmes do coletivo Alumbramento, Uirá dos Reis e Thaís Dahas são atores e cúmplices no cultivo do delírio agridoce antes que uma passagem possa acontecer. Neste dia triste e remoto, em que reminiscências reinam, restos de versos, confidências e playlists insistem em transcender com a lente de ali plausível celular, que ao que busca porto aonde chegar encontra a imanência, ou a iminência de uma verdade viva: a partilha fugidia entre palavra, melodia e pixel.
Being Boring

Lucas Ferraço Nassif, Brasil, 2016, 77'

Pra que cantar canções se nunca nem vão te ouvir?
Los Leones

André Lage, Brasil/França, 2016, 79'

O retrato íntimo de um casal argentino marginal: a travesti Mariana Koballa e seu companheiro, Raúl Francisco.
Buraco negro

Helena Lessa, Petrus de Bairros, Brasil, 2017, 70'

Em uma casa abandonada, ela se torna aprendiz de uma poderosa fantasma. Com a ajuda de suas amigas, explora formas de viver outras vidas.
Esse amor que nos consome

Allan Ribeiro, Brasil, 2012, 80'

Gatto Larsen e Rubens Barbot são companheiros há mais de 40 anos. Eles acabam de se mudar para um casarão abandonado no centro da cidade, onde ensaiam com sua companhia de dança.
Rumo

Luiz Pretti, Ricardo Pretti, Brasil, 2009, 48'

A vida de dois jovens em busca da liberdade e do amor.
obrigado: realizadoras e realizadores, produtoras e produtores por disponibilizarem seus filmes, Shima, Marisa Merlo, Anacoluto, Rodrigo Almeida, André Antônio, Luís Flores, Augusto Hendricus e João Marcos de Almeida.

contato: luisfernandomoura@gmail.com